segunda-feira, outubro 16, 2006

Sentimento Oceânico




A comida é de sabor ofuscado. Ofuscado por minha própria saliva forte. Sinto-a forte, sinto meu próprio cheiro e atento para o aspecto suave da minha pele, sem marcas, sem pintas. Indefesa pele percebe tudo que rodeia e eu a percebo pelas sensações que ela absorve agora. Não se distingue o toque do cabelo, a fragilidade da cabeça, do toque dos dedos. Percepções que se misturam, turvam os sentidos já confusos. E com os sentidos sinto-me. E nisso nem o toque é necessário, apenas o contato do corpo com o mundo. Apenas a atenção a cada desconforto a cada tangente da nossa matéria com o mundo. Pouco a pouco os desconfortos deixam de ser desconfortáveis e tornam-se contato, não neutro, mas puro. Sensação física sem ação.

E percebo cada vez mais que os dias que vivo são de feição ofuscada, por conta do meu ser que supera o mundo. É como se o meu mundo, incognoscível para os outros, fosse maior, se expandindo a cada toque, a cada tangente sensível. E os meus desejos são maiores. E a consciência vai até a linha do horizonte no mar. Até lá é meu mundo e a partir da risca nebulosa, o real. E o mundo meu parece eufórico, ansioso por acontecer e extrapolar a linha que separa o mar do céu. Como se o oceano intangível contaminasse o céu com seu verde profundo. Mas à noite, o céu parece refletir-se nas águas desse mar que é puro mistério. Esse mar se traveste de lua trêmula e instável, sem nunca transparecer seu profundo inconsciente. Reflete a lua, mas deseja engoli-la e jogar peixes ao céu. O que seriam as estrelas senão plânctons celestes. E o que seriam os plânctons senão estrelas. De fato, matéria totalmente diversa, mas que felicidade entrar no mar e ver-se nadando em estrelas.