sábado, outubro 13, 2007

Sobre uma Bala.


Lia uma crônica de uma de suas escritoras favoritas. Sentada no metrô, tentava se distrair das notícias sórdidas que acabara de receber. Não queria entender o tiro, nem a bala, que não tinha sido capaz de ferir candura imensa. Enquanto isso, a querida autora falava sobre um tema adequado à sua ansiedade e angustia inexplicável, a morte.

Durante todo o dia convivera ela com uma dor profunda, que queimava meu ventre. Dor que lembrava uma ligação primitiva do ventre ao peito, mas que eu não sabia se saída do útero ou do coração. Seus pensamentos e intenções pareciam não caber no intelecto. Talvez em seu amor, mas não nessa inteligência que de nada serve para controlar a dor. Dor paradoxalmente deliciosa, eufórica, que a fazia querer nunca mais dormir, e conversar com as pessoas despertas, ou com os apreciadores de café na madrugada.

A bala, no entanto, permanecia latente nessa dor. A bala e a candura inabalável. Ao comentar o seu medo da morte, a cronista de primeira viagem disse que se houvesse encarnação, a vida que vivia não lhe pertenceria. Disse também que na próxima encarnação leria seus livros como uma leitora comum e interessada. E conforme ela lia as palavras encarnadas, teve um espanto. Seu corpo pesou no banco do metrô. A dor havia desaparecido, como se ela tivesse morrido. Como se a bala atingisse o cerne da dor pré-histórica. A escritora disse que queria um aviso a respeito do que encontraria depois da morte. Pois bem, acabara de ter esse aviso. Sua alma já sabia, mas a pessoa nova não. A consciência formal nunca tinha entendido. Mas a bala, agora, atingira seu alvo místico.

Discurso de formatura... Pelo menos para os meus pares...

Eu sei que muitas vezes nossas paixões são questionadas. Dúvidas que não partem de nós mesmos, mas que, se nos reviram, é porque nos assolam também. Questionam nossos esforços ou nossas motivações para tanto esforço. Há quem não se empenhe tanto para conseguir o que anseia e há quem se esforce muito sem saber o que anseia. No primeiro caso, acredito que haja uma dificuldade de se assumir uma paixão. Paixão nem sempre plausível, adequada, compassada, desejada, sensata, decorosa. No segundo caso, simplesmente falta uma paixão. São raros os casos em que pessoas da nossa idade têm a certeza dos fins e dos seus meios. Muitos escolheram a Faculdade de Direito porque ela propicia um grande número de fins, diversidade e a convivência com pessoas de sonhos diversosos e também incertos. Acredito, porém, que seja essencial nos questionarmos a respeito de qual seria nossa paixão. No meu caso, minha paixão não tem grande relação com o direito. Escolhi cursar a faculdade porque queria escrever. Mal sabia eu que pouco espaço me sobraria para a escrita do modo como eu a amo. Pouco espaço temporal e emocional. O direito, como nos é apresentado, desde que possuímos aquela aura que envolve todo calouro, consome muitas paixões. Não as alimenta, mas as absorve, fazendo pesar a concretude pessimista na leveza de nossos sonhos. Ou porque não concordamos com os dogmas, ou porque concordamos e não podemos aplicá-los na realidade que por vezes se mostra tão distante do dever-ser. Ou então precisamos de tempo para pensar esse direito que sempre vai um passo atrás da realidade e um passo à frente. Mas há tantos modos de se abordar o direito... Alguns deles se identificam melhor com aquela paixão muitas vezes ainda oculta. Pelo prisma daquilo que os estimula, algumas pessoas passam a ver o direito por meio da arte, da política, da prática jurídica, do esporte, dos devaneios... Enfim, pelos olhos ocultos de seus sonhos mais íntimos. Pelo modo como querem ver, pensar, comoverem-se, atuar no mundo. Porque também acredito que ninguém possa ser definido como jurista e exclusivamente como tal.
O que gostaria de provocar é esse questionamento, um questionamento que muitos identifiquem como sendo próprio. Por uma única vez ao menos, gostaria que pensassem nessa dúvida não pela voz de seus pais, de seus professores, de seus chefes, de seus amores, de seus fantasmas noturnos. Calem essas vozes e ouçam o que almejamos, o que amamos verdadeiramente. O mundo, depois disso, pode se tornar mais claro, mais promissor. E nós nos tornaremos mais fortes. Talvez o direito faça mais sentido enquanto instrumento que escolhemos adotar, ao menos a princípio, quando não integralmente. Como aprendizado de pensamento e atuação.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Palíndromos

Amor meu, Oh! Livre fogo fervilhou em Roma!

Somava Rita: "Só na Rua Aura nos atirávamos!"

Era Maria a ir à maré...

segunda-feira, julho 30, 2007


Arrebentação de vida. A chegada da noite, a hora em que todos dormem impõe o silêncio e a imobilidade, porque mover-se implica o estalar do assoalho frio, da madeira levantada. Os goles d’água que descem lentos e o crepitar dos sussurros vãos.

A cabeça, porém, arrebenta e fulgura. A cada instante as idéias ocorrem e no seguinte morrem. O papel está distante e a noite imaculada. A sensação da descoberta de palavras, sua sublime sonoridade e harmonia se perdem; e assim os corpos queridos respiram em uma cama de mortalidade.

Acontece então. Levanta-se. Profana a quietude do quarto. A treva se deforma, movendo-se a cada passo arrastado. Alcança o caderno dentro da bolsa, procura a caneta sobre a mesa. O movimento vai ganhando forma, cor e som em progressão contínua. Coloca os óculos e acende a luz tão fraca e agora tão forte. O mundo não acaba, só torna-se mais sólido.

A inconsciência, a criação onírica são estados belos e atemporais, todavia mortais como os homens. As palavras tão mais reais e sólidas podem se perpetuar, abandonando a trama mortal.

A mente não mais foge rapidamente. Aviva-se nas palavras escritas. E onde estão tantas idéias perdidas para que a noite não se penetrasse e rompesse? Estão junto às ondas que ameaçaram e não arrebentaram. Não atravessaram a vaga linha do impulso da arrebentação.

domingo, maio 13, 2007

Canção de Amor - Floresta do Amazonas

Sonhar na tarde azul
do teu amor ausente
suportar a dor cruel
com esta mágoa crescente
o tempo em mim agrava
o meu tormento de amor!

Tão longe assim de ti
vencida pela dor
na triste solidão procuro ainda te encontrar
Amor, meu amor!

Tão bom é saber calar
e deixar-se vencer pela realidade
vivo triste a soluçar
quando, quando virás enfim?

Sinto o ardor dos beijos teus em mim. Ah!
Qualquer pequeno sinal
e fremente surpresa
vem me amargurar

Tão doce aquela hora
em que de amor sonhei
infeliz, a sós, agora
apaixonada fiquei
sentindo aqui fremente
o teu reclamo amor!

Tão longe assim de ti
ausente ao teu calor
meu pobre coração
anseia sempre a suplicar
amor, meu amor!
Villa-Lobos

quarta-feira, abril 04, 2007


Eu sonhava, sonhava com cavalos que percorriam uma planície imensa e disforme, que se transformava a cada passada, trote. A cada metro avançado pelos cavalos a imensidão atrás deles se diluía em céu, sem que houvesse a fronteira do que se ensaia chamar de horizonte. Não há pessoas nem árvores nessa terra imensa. Só as patadas dos cavalos abalando a pureza do chão eterno. Pouco se vê, mas se sente o pulsar dos corações dos cavalos baios como se o meu pulsar fossem, confuso e atropelado. E a cada avanço o mundo mingua, a solidez tão efêmera da matéria aos poucos se torna insólita e azul. E nesse céu que sem fronteiras definidas, reina a deusa branca, ...

sexta-feira, março 16, 2007

Final de ovo...


Ela sentia mais um final. Tinha se esquecido de como os finais sentem. Sentia o clássico buraco, dos pés à cabeça um repuxar, no ventre, no peito, como se torcessem roupa lá dentro e uma fogueira de vontade pura. Sonhara a noite toda. Sonhava que dormia. Ao lado de seu amor nascituro. Mas nada de fim. Dentro dela estava longe do fim. Curioso como o fim não depende só das palavras que o decretam. Depende do que o peito sente. E dos sonhos que perpetuam aquela presença. Pode se dar por motivos diferentes, pode não ser propriamente o fim, todavia desperta o medo incansável. Incansável, apesar da luta pela liberdade de se esperar tudo. Liberta-me de pensar o futuro! – ela pensava. Faz-me não esperar o imprevisível. Mas o fim guarda dentro de si o começo inesperado. A metamorfose inconsciente de um ser que não sabe o que vai nascer de dentro dele. Metamorfose de ovo, que é a metáfora perfeita. Imprevisibilidade de ovo. O começo do que vem depois daquele ovo malemolente. Talvez a galinha, cada vez que bota um ovo, pense que vai acabar. Que o seu intenso mundo chegou ao fim. Pronto, missão cumprida! E surpresa quando ela se depara com o inineteligível fruto do seu botar. O ovo insiste em mover-se num gingado constante, imperceptível. E seu movimento, seu menor movimento faz a galinha lembrar e se perguntar. A lembrança é o gingado, da nostalgia e da esperança.