quarta-feira, janeiro 14, 2009

Território das Cariátides

Seja bem vindo aos trêmulos bancos desta casa que te recebe. Por baixo deste chão, passa um trem que aos poucos abala nossa estrutura, mas não ruiremos. Somos mulheres muralhas, petrificadas pelo tempo, que sustentam o teto ao alto. Somos sólidas, mas nossos pés podem sentir o trem que passa de hora em hora e arrepia a pedra fria. Mas não podemos move-los, os nossos pés. E tu, estrangeiro, se quiseres fugir de nossa casa, não te perseguiremos. Porque o teto ruiria sobre nossas cabeças.

O nosso rosto não envelhecerá, porém não sorriremos e nem lágrimas derramaremos. A chuva que escorre pela pedra branca pode imitar as lágrimas. Assim choraremos somente quando a Terra chorar em tempestade e o teto acima dela se decompuser em água, em fragmentos d’água. Somos escravas que à época da construção deste templo fomos sacrificadas a sustentar a pedra. E com pouco tempo nos cansamos e quando quisemos cair mortas, nosso corpo permaneceu reificado em branca e fria pele. O estrangeiro que nos visita não pode ver nossas bocas abertas e sedentas, não pode ver nem ouvir nosso discurso, ou sentir o pulsar de nosso sangue. Porque de fato estamos mortas. Porém vivas, porque servimos ao propósito desta Terra e de homens, como tu, estrangeiro. O desconhecemos, mas sabemos que enquanto este teto estiver no alto, haverá vida e os homens estarão salvos de si próprios. Quando os homens nos derrubarem por sua ira ou indiferença, estarão fadados a viver sem escolha e sem o nada.

Clarice, meu amor, acorde. Acorde e olhe para mim. E seu corpo reverberava o som dessas palavras. Eram o som em meio ao sono. Clarice nunca era acordada, mesmo porque sempre acordava antes de todos, ia até a varanda e comungava com os apreciadores de café na madrugada. Podia jurar que ninguém nunca a havia visto dormindo. Quando se aproximavam e ela sentia a presença, dissimulava um sono profundo. Sua ontologia nunca se desvendara para eles em seu sono. Assim, nunca seria conhecida a menos que morresse e então, salvo engano, não mais existiria. Talvez o homem que agora a acordava não existisse. Ou quem sabe ela não mais existisse. O fio do sono não se rompia e ela estava sendo vista. Mas não sabia e, quem sabe, isso não fosse o suficiente para saber que ninguém a via.
E assim, não era uma mulher de areia, mas de lua e da luz refletida nela. A lua só se revela quando faz refletir essa luz masculina do sol. Mas qual o problema de ela se ocultar?