sexta-feira, novembro 13, 2009

Insônia


Quanta falta a faziam as canções de ninar. Quantos bois e quantas ruas, quantos anjos se fariam necessários para que ela conseguisse dormir. Pensava muito no sexo dos anjos e seus livros a colocavam nas nuvens junto com eles, tão peculiar a sua poética. Nos sonhos era um deles. Bastava um impulso para que se elevasse e brilhasse branca. Vivia nas nuvens. Tinha um compromisso com elas. Tão logo acabasse uma tarefa rotineira, voltava a elevar-se e assim era seu ser. Mas agora estava acordada no centro de uma estreita cama já caótica e muito menos acolhedora do que em outras madrugadas.

Soneto do não amor

Com o esquartejamento lisonjeiro
Desmembra a mulher ao seu interesse.
Se quer ser livre, ela já o é, açougueiro.
Mas que voyerismo radical é esse?

Contenta-se em assistir a ácida cena
De seu amor a revelar a alma a ti oculta
Para o outro corpo que a ela não tem pena?
Pretensa a liberdade que te avullta!

Se perde o viço é porque viu sumir
Dos seus distraídos olhos o brilho terno.
Efêmero seu amor o fez iludir.

Distantes lembranças lhe são etéreas
E murcham como o colo de Duília
Poucas as canduras que são eternas!