sexta-feira, setembro 24, 2010

Palíndromo

Ué, cadê a pipa? É da Céu!

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Cerveja solitária


Que minha vida flutue nas asas deste álcool doce e amargo que corre em meu sangue. Bernardo Guimarães é ficha se comparado aos meus sonhos manchados de luz e de fogo. Pantagruélica sou eu em meu devaneio que contamina a tarde em que venho repousar. Só que meu cansaço não é físico, nem dengoso, é minguante da vontade de permanecer de pé, acordada para o mundo. Mundo familiar demais... Sempre os mesmos tipos neste bar e as mesmas lagartixas na areia. Pouco a pouco me consome, pouco a pouco eu consumo a cerveja que pedi e me é custoso terminar. Corre lenta em meu corpo, entorpece meu cérebro e meus pensamentos. 
Mudo de lugar para o canto que me é próprio, perto do ladrilho frio da parede. Pouco a pouco sinto a saúde encurtar e as forças se esvaírem, como num gozo frustrado. Não quero mais me levantar. Tire-me daqui, me seqüestre dessa impessoalidade culta e grande que me rodeia. Me leve para o calor de quem me ama e só assim estarei compreendida, poderei me mover lentamente e resmungar os detalhes desimportantes da vida carinhosamente. 
A cerveja que repousava inquieta pingou, eu a fiz pingar. Doce e estático sonho que estou vivendo. Tudo se move menos eu, exceto minha mão frenética, que produz símbolos cada vez mais ilegíveis. Quero ordem, quero cama, quero tudo que me faça voar em sonho e fúria. Parei.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Insônia


Quanta falta a faziam as canções de ninar. Quantos bois e quantas ruas, quantos anjos se fariam necessários para que ela conseguisse dormir. Pensava muito no sexo dos anjos e seus livros a colocavam nas nuvens junto com eles, tão peculiar a sua poética. Nos sonhos era um deles. Bastava um impulso para que se elevasse e brilhasse branca. Vivia nas nuvens. Tinha um compromisso com elas. Tão logo acabasse uma tarefa rotineira, voltava a elevar-se e assim era seu ser. Mas agora estava acordada no centro de uma estreita cama já caótica e muito menos acolhedora do que em outras madrugadas.

Soneto do não amor

Com o esquartejamento lisonjeiro
Desmembra a mulher ao seu interesse.
Se quer ser livre, ela já o é, açougueiro.
Mas que voyerismo radical é esse?

Contenta-se em assistir a ácida cena
De seu amor a revelar a alma a ti oculta
Para o outro corpo que a ela não tem pena?
Pretensa a liberdade que te avullta!

Se perde o viço é porque viu sumir
Dos seus distraídos olhos o brilho terno.
Efêmero seu amor o fez iludir.

Distantes lembranças lhe são etéreas
E murcham como o colo de Duília
Poucas as canduras que são eternas!

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Território das Cariátides

Seja bem vindo aos trêmulos bancos desta casa que te recebe. Por baixo deste chão, passa um trem que aos poucos abala nossa estrutura, mas não ruiremos. Somos mulheres muralhas, petrificadas pelo tempo, que sustentam o teto ao alto. Somos sólidas, mas nossos pés podem sentir o trem que passa de hora em hora e arrepia a pedra fria. Mas não podemos move-los, os nossos pés. E tu, estrangeiro, se quiseres fugir de nossa casa, não te perseguiremos. Porque o teto ruiria sobre nossas cabeças.

O nosso rosto não envelhecerá, porém não sorriremos e nem lágrimas derramaremos. A chuva que escorre pela pedra branca pode imitar as lágrimas. Assim choraremos somente quando a Terra chorar em tempestade e o teto acima dela se decompuser em água, em fragmentos d’água. Somos escravas que à época da construção deste templo fomos sacrificadas a sustentar a pedra. E com pouco tempo nos cansamos e quando quisemos cair mortas, nosso corpo permaneceu reificado em branca e fria pele. O estrangeiro que nos visita não pode ver nossas bocas abertas e sedentas, não pode ver nem ouvir nosso discurso, ou sentir o pulsar de nosso sangue. Porque de fato estamos mortas. Porém vivas, porque servimos ao propósito desta Terra e de homens, como tu, estrangeiro. O desconhecemos, mas sabemos que enquanto este teto estiver no alto, haverá vida e os homens estarão salvos de si próprios. Quando os homens nos derrubarem por sua ira ou indiferença, estarão fadados a viver sem escolha e sem o nada.

Clarice, meu amor, acorde. Acorde e olhe para mim. E seu corpo reverberava o som dessas palavras. Eram o som em meio ao sono. Clarice nunca era acordada, mesmo porque sempre acordava antes de todos, ia até a varanda e comungava com os apreciadores de café na madrugada. Podia jurar que ninguém nunca a havia visto dormindo. Quando se aproximavam e ela sentia a presença, dissimulava um sono profundo. Sua ontologia nunca se desvendara para eles em seu sono. Assim, nunca seria conhecida a menos que morresse e então, salvo engano, não mais existiria. Talvez o homem que agora a acordava não existisse. Ou quem sabe ela não mais existisse. O fio do sono não se rompia e ela estava sendo vista. Mas não sabia e, quem sabe, isso não fosse o suficiente para saber que ninguém a via.
E assim, não era uma mulher de areia, mas de lua e da luz refletida nela. A lua só se revela quando faz refletir essa luz masculina do sol. Mas qual o problema de ela se ocultar?

sábado, outubro 13, 2007

Sobre uma Bala.


Lia uma crônica de uma de suas escritoras favoritas. Sentada no metrô, tentava se distrair das notícias sórdidas que acabara de receber. Não queria entender o tiro, nem a bala, que não tinha sido capaz de ferir candura imensa. Enquanto isso, a querida autora falava sobre um tema adequado à sua ansiedade e angustia inexplicável, a morte.

Durante todo o dia convivera ela com uma dor profunda, que queimava meu ventre. Dor que lembrava uma ligação primitiva do ventre ao peito, mas que eu não sabia se saída do útero ou do coração. Seus pensamentos e intenções pareciam não caber no intelecto. Talvez em seu amor, mas não nessa inteligência que de nada serve para controlar a dor. Dor paradoxalmente deliciosa, eufórica, que a fazia querer nunca mais dormir, e conversar com as pessoas despertas, ou com os apreciadores de café na madrugada.

A bala, no entanto, permanecia latente nessa dor. A bala e a candura inabalável. Ao comentar o seu medo da morte, a cronista de primeira viagem disse que se houvesse encarnação, a vida que vivia não lhe pertenceria. Disse também que na próxima encarnação leria seus livros como uma leitora comum e interessada. E conforme ela lia as palavras encarnadas, teve um espanto. Seu corpo pesou no banco do metrô. A dor havia desaparecido, como se ela tivesse morrido. Como se a bala atingisse o cerne da dor pré-histórica. A escritora disse que queria um aviso a respeito do que encontraria depois da morte. Pois bem, acabara de ter esse aviso. Sua alma já sabia, mas a pessoa nova não. A consciência formal nunca tinha entendido. Mas a bala, agora, atingira seu alvo místico.

Discurso de formatura... Pelo menos para os meus pares...

Eu sei que muitas vezes nossas paixões são questionadas. Dúvidas que não partem de nós mesmos, mas que, se nos reviram, é porque nos assolam também. Questionam nossos esforços ou nossas motivações para tanto esforço. Há quem não se empenhe tanto para conseguir o que anseia e há quem se esforce muito sem saber o que anseia. No primeiro caso, acredito que haja uma dificuldade de se assumir uma paixão. Paixão nem sempre plausível, adequada, compassada, desejada, sensata, decorosa. No segundo caso, simplesmente falta uma paixão. São raros os casos em que pessoas da nossa idade têm a certeza dos fins e dos seus meios. Muitos escolheram a Faculdade de Direito porque ela propicia um grande número de fins, diversidade e a convivência com pessoas de sonhos diversosos e também incertos. Acredito, porém, que seja essencial nos questionarmos a respeito de qual seria nossa paixão. No meu caso, minha paixão não tem grande relação com o direito. Escolhi cursar a faculdade porque queria escrever. Mal sabia eu que pouco espaço me sobraria para a escrita do modo como eu a amo. Pouco espaço temporal e emocional. O direito, como nos é apresentado, desde que possuímos aquela aura que envolve todo calouro, consome muitas paixões. Não as alimenta, mas as absorve, fazendo pesar a concretude pessimista na leveza de nossos sonhos. Ou porque não concordamos com os dogmas, ou porque concordamos e não podemos aplicá-los na realidade que por vezes se mostra tão distante do dever-ser. Ou então precisamos de tempo para pensar esse direito que sempre vai um passo atrás da realidade e um passo à frente. Mas há tantos modos de se abordar o direito... Alguns deles se identificam melhor com aquela paixão muitas vezes ainda oculta. Pelo prisma daquilo que os estimula, algumas pessoas passam a ver o direito por meio da arte, da política, da prática jurídica, do esporte, dos devaneios... Enfim, pelos olhos ocultos de seus sonhos mais íntimos. Pelo modo como querem ver, pensar, comoverem-se, atuar no mundo. Porque também acredito que ninguém possa ser definido como jurista e exclusivamente como tal.
O que gostaria de provocar é esse questionamento, um questionamento que muitos identifiquem como sendo próprio. Por uma única vez ao menos, gostaria que pensassem nessa dúvida não pela voz de seus pais, de seus professores, de seus chefes, de seus amores, de seus fantasmas noturnos. Calem essas vozes e ouçam o que almejamos, o que amamos verdadeiramente. O mundo, depois disso, pode se tornar mais claro, mais promissor. E nós nos tornaremos mais fortes. Talvez o direito faça mais sentido enquanto instrumento que escolhemos adotar, ao menos a princípio, quando não integralmente. Como aprendizado de pensamento e atuação.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Palíndromos

Amor meu, Oh! Livre fogo fervilhou em Roma!

Somava Rita: "Só na Rua Aura nos atirávamos!"

Era Maria a ir à maré...

segunda-feira, julho 30, 2007


Arrebentação de vida. A chegada da noite, a hora em que todos dormem impõe o silêncio e a imobilidade, porque mover-se implica o estalar do assoalho frio, da madeira levantada. Os goles d’água que descem lentos e o crepitar dos sussurros vãos.

A cabeça, porém, arrebenta e fulgura. A cada instante as idéias ocorrem e no seguinte morrem. O papel está distante e a noite imaculada. A sensação da descoberta de palavras, sua sublime sonoridade e harmonia se perdem; e assim os corpos queridos respiram em uma cama de mortalidade.

Acontece então. Levanta-se. Profana a quietude do quarto. A treva se deforma, movendo-se a cada passo arrastado. Alcança o caderno dentro da bolsa, procura a caneta sobre a mesa. O movimento vai ganhando forma, cor e som em progressão contínua. Coloca os óculos e acende a luz tão fraca e agora tão forte. O mundo não acaba, só torna-se mais sólido.

A inconsciência, a criação onírica são estados belos e atemporais, todavia mortais como os homens. As palavras tão mais reais e sólidas podem se perpetuar, abandonando a trama mortal.

A mente não mais foge rapidamente. Aviva-se nas palavras escritas. E onde estão tantas idéias perdidas para que a noite não se penetrasse e rompesse? Estão junto às ondas que ameaçaram e não arrebentaram. Não atravessaram a vaga linha do impulso da arrebentação.